01 setembro 2013

O Namoro

Poema: Viriato da Cruz (adaptado) [texto original >> abaixo]
Música e arranjo: Fausto Bordalo Dias
Intérprete: Sérgio Godinho* (in LP "De Pequenino se Torce o Destino", Guilda da Música/Sassetti, 1976, reed. Polygram, 1990, Universal, 2001)





[instrumental]

Mandei-lhe uma carta em papel perfumado 
e com letra bonita eu disse, ela tinha 
um sorriso luminoso tão triste e gaiato 
como o sol de Novembro brincando de artista 
nas acácias floridas, na fímbria do mar.

[instrumental]

Sua pele macia – era sumaúma...
sua pele macia, cheirando a rosas 
seus seios laranja – laranja do Loge.
Eu mandei-lhe essa carta 
e ela disse que não.

[instrumental]

Mandei-lhe um cartão 
que o amigo Maninho tipografou:
«Por ti sofre o meu coração»
Num canto – SIM, noutro canto – NÃO
E ela o canto do NÃO dobrou.

[instrumental]

Mandei-lhe um recado pela Zefa do Sete 
pedindo e rogando de joelhos no chão 
pela Senhora do Cabo, pela Santa Ifigénia 
me desse a ventura do seu namoro...
E ela disse que não.

[instrumental]

Mandei à avó Chica, quimbanda de fama,
a areia da marca que o seu pé deixou 
para que fizesse um feitiço bem forte e seguro 
e dele nascesse um amor como o meu...
E o feitiço falhou.

[instrumental]

Andei barbado, sujo e descalço 
como um mona-ngamba.
Procuraram por mim 
«– Não viu... (ai, não viu...?) não viu Benjamim?» 
E perdido me deram no morro da Samba.

[instrumental]

Para me distrair 
levaram-me ao baile do senhor Januário,
mas ela lá estava num canto a rir, 
contando o meu caso 
às moças mais lindas do Bairro Operário.

[instrumental]

Tocaram a rumba e dancei com ela 
e num passo maluco voámos na sala 
qual uma estrela riscando o céu!
E a malta gritou: "Aí, Benjamim!"

Olhei-a nos olhos – sorriu para mim 
pedi-lhe um beijo (ra ra ra ra ai... ra ra ra ra ai)
e ela disse que sim. [3x]


* Sérgio Godinho – voz e metalofone
Fausto Bordalo Dias – viola
Paulo Godinho – viola baixo 
Direcção musical – Sérgio Godinho e Fausto Bordalo Dias
Gravado nos Estúdios Rádio Triunfo, Lisboa, em Janeiro de 1976
Engenheiro de som – José Manuel Fortes



NAMORO

(Viriato da Cruz, in "Poemas", Lisboa: Casa dos Estudantes do Império, 1961; "No Reino de Caliban II", org. Manuel Ferreira, Lisboa: Seara Nova, 1975, reed. Lisboa: Plátano, 1988; "50 Poetas Africanos: Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe", org. Manuel Ferreira, Lisboa: Plátano, 1989)
 
 
Mandei-lhe uma carta em papel perfumado 
e com letra bonita eu disse ela tinha 
um sorrir luminoso tão quente e gaiato 
como o sol de Novembro brincando de artista nas acácias floridas
espalhando diamantes na fímbria do mar 
e dando calor ao sumo das mangas 
Sua pele macia — era sumaúma... 
Sua pele macia, da cor do jambo, cheirando a rosas 
sua pele macia guardava as doçuras do corpo rijo 
tão rijo e tão doce — como o maboque... 
Seus seios, laranjas — laranjas do Loge 
seus dentes... — marfim
                   Mandei-lhe essa carta 
                   e ela disse que não. 
 
Mandei-lhe um cartão 
que o amigo Maninho tipografou: 
«Por ti sofre o meu coração» 
Num canto — SIM, noutro canto — NÃO 
                   E ela o canto do NÃO dobrou. 
 
Mandei-lhe um recado pela Zefa do Sete 
pedindo rogando de joelhos no chão 
pela Senhora do Cabo, pela Santa Ifigénia, 
me desse a ventura do seu namoro... 
                   E ela disse que não. 
 
Levei à avó Chica, quimbanda de fama 
a areia da marca que o seu pé deixou 
para que fizesse um feitiço forte e seguro 
que nela nascesse um amor como o meu... 
                   E o feitiço falhou. 
 
Esperei-a de tarde, à porta da fábrica, 
ofertei-lhe um colar e um anel e um broche, 
paguei-lhe doces na calçada da Missão, 
ficámos num banco do largo da Estátua, 
afaguei-lhe as mãos... 
falei-lhe de amor... e ela disse que não. 
 
Andei barbado, sujo e descalço, 
como um mona-ngamba. 
Procuraram por mim 
«— Não viu... (ai, não viu...?) não viu Benjamim?» 
E perdido me deram no morro da Samba. 
Para me distrair 
levaram-me ao baile do sô Januário 
mas ela lá estava num canto a rir 
contando o meu caso às moças mais lindas do Bairro Operário. 
 
Tocaram uma rumba — dancei com ela 
e num passo maluco voámos na sala 
qual uma estrela riscando o céu! 
E a malta gritou: «Aí, Benjamim!» 
Olhei-a nos olhos — sorriu para mim 
pedi-lhe um beijo — e ela disse que sim.